quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A Política de Saúde Brasileira

A Primeira República (1988-1930)

Durante a Primeira República, a atuação do Estado na área da saúde caracterizou-se pelo sanitarismo campanhista. Nesse período, foram criados programas de saúde pública de âmbito nacional; à frente da Diretoria Geral de Saúde pública estava Oswaldo cruz. Esses programas desenvolviam ações de combate a endemias ou controle de doenças nas áreas de produção para proteger o modelo econômico agro-exportador. Baseavam-se em estrutura militarista e atuavam de forma vertical.

Anos 20

Foram criadas as Caixas de Aposentadorias e Pensão (CAPs.), que eram um contrato compulsório contributivo que tinham como função a prestação de benefícios, o pagamento de pensões e aposentadorias, e a assistência médica.
As empresas ofereciam serviços mediante a compra de serviços privados, credenciando médicos, segundo Elias (1996:14), encontram-se nesse período “ as raízes da privatização da assistência médica no Brasil, sob a égide da política previdenciária instituída pelo Estado e sem ônus para os cofres públicos”.

A atuação do estado na área da saúde voltou-se para a recuperação da saúde das classes trabalhadoras emergentes, para a manutenção de sua capacidade produtiva necessária à acumulação capitalista, pois estava em ascensão o modelo econômico baseado na indústria. O Estado implantou políticas previdênciais, cobrindo as categorias de trabalho mais importantes para a produção.

Anos 30-60

Entre 1933 e 1938, as CAPs. foram progressivamente unificadas e absorvidas pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), que congregavam os trabalhadores por categorias profissionais em âmbito nacional. Juridicamente, os IAPs eram entidades públicas autárquicas com a presença direta do Estado na sua administração. Seu caráter era contributivo, pois o direito aos benefícios e à prestação de serviços de saúde estava vinculada à condição de um contrato de trabalho. A partir dos IAPs, a contribuição dos empregadores, que era um percentual sobre o faturamento da empresa, passa a ser um percentual sobre a folha de salários, tornando a receita destes institutos dependentes dos salários.

Em 1941 foi criado o Ministério da Educação e Saúde, e o modelo campanhista continuava predominando nos seus órgãos de saúde pública. Este se opunha ao modelo baseado em ações curativas, dominante nos serviços previdenciários de atenção básica.


Período do Estado Militar

Esse período foi caracterizado pela maior racionalização e centralização do aparelho estatal no trato das políticas sociais. Assim, os IAPs foram unificados, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) em 1966. Nesse processo, excluiu-se por completo a participação do trabalhador na gestão da Previdência.

Na década de 70, a intervenção estatal se deu de forma privatista e excludente.
O modelo de saúde era baseado em ações individuais médico-hospitalares e no privilegio a contratação do setor privado por intermédio do INPS (assistência médica previdenciária). Franqueou-se ao capital privado a prestação de serviços considerados rentáveis, tais como saúde, educação, habitação e mercado de seguros.

Na segunda metade dessa década, surge o Movimento Sanitário, paralelamente aos movimentos de contestação ao regime militar. Esse movimento congregava militantes do Partido Comunista e defendia a democratização do Estado e uma ampla reforma na política de saúde baseada nos princípios de universalidade, equidade, integralidade e participação.


Transição Democrática

Durante o chamado governo da Nova República, houve uma luta entre os representantes dos interesses econômicos da burguesia (proprietários de empresas, grandes hospitais e clínicas médicas privadas, indústrias de equipamentos médicos e medicamentos, nacionais e internacionais) e os representantes do Movimento Sanitário pela ocupação de diferentes espaços institucionais. Estes últimos ocuparam alguns cargos importantes no Ministério da Saúde e no Ministério da Previdência Social e conseguiram incluir algumas de suas propostas no Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República.
Em 1986, aconteceu a VIII Conferência Nacional de Saúde, com a presença de quatro mil participantes. Nela, a proposta de um novo sistema nacional de saúde – o SUS – defendido pelo Movimento Sanitário foi legitimada por amplos setores da sociedade. E, nos anos seguintes, tais setores organizaram-se em lobbies para pressionarem, durante a instalação da assembléia Nacional Constituinte, pela incorporação dessa proposta na Constituição de 1988.
A nova Constituição legalizou o SUS, contemplando parte da proposta do Movimento Sanitário. A saúde passou a ser direito de todos e dever do estado, regida pelos princípios de universalização, descentralização e participação da comunidade. Foi incorporado um novo padrão de proteção social através de um sistema de seguridade Social definido como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, á previdência e à assistência social”(art194).


A Política de Saúde pós-88

Ao mesmo tempo em que se garantiu constitucionalmente o acesso universal aos serviços de saúde, consolidou-se, na realidade, um processo de “universalização excludente”, em que o acesso a tais serviços foi estendido a todos, absorvendo os desempregados e os trabalhadores do setor informal e, simultaneamente, os trabalhadores melhor remunerados foram impulsionados à compra de serviços no mercado privado devido à precariedade e à baixa qualidade dos serviços públicos de saúde. Esse processo foi fundamental ao modelo de produção dos anos 80, que, voltado para o mercado externo, precisou, segundo Mota (1995:175), “transformar a economia informal numa peça-chave para manter tanto o consumo popular (alimentando um mercado interno que não interessa ao grande capital) como a chamada terceirização da força de trabalho das grandes empresas”. Assim, os trabalhadores mais organizados e empregados na grande empresa teriam os serviços privados oferecidos pela própria empresa pagando duplamente pela assistência a saúde.

Os seguros privados de saúde cresceram no Brasil na década de 90, chegando a abranger mais de 40 milhões de assegurados. Os próprios trabalhadores os têm incluído em suas pautas de negociações, como uma forma de garantir uma melhor qualidade na assistência à saúde.
Além disto, o Estado também tem beneficiado o setor privado, contribuindo indiretamente com o processo de mercantilização da saúde. Observa-se que 66% do total de leitos hospitalares vinculados ao SUS pertencem ao setor privado (IBGE, 1999), mesmo devendo este, nos termos da lei, ser complementar ao público, quando sua capacidade instalada for insuficiente (Lei 8080/90). O setor privado tem atuado na assistência médica individual (consultas médicas e procedimentos médicos de maior complexidade tecnológica e mais caros), que é mais rentável e lucrativa, e o setor público, nas ações de saúde coletiva. Além disso, o setor público não tem conseguido manter sob controle o setor privado contratado, o que tem resultado em fraudes e na prestação de serviços de má qualidade.

O Estado favorece o setor privado de outras formas. Como exemplos desses mecanismos de favorecimento, podem-se citar: a renúncia fiscal – isenção de impostos, tributos contribuições dos grupos filantrópicos e/ou privados; o abatimento dos gastos com saúde no imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas que tem planos de saúde; a legislação que considera os serviços como custos operacionais das empresas, permitindo repassa-los aos preços dos produtos, fazendo com que seu pagamento recaia sobre o conjunto da população; o uso dos serviços da rede pública pelos assegurados da rede privada em situação de emergência ou para tratamento de alto custo, já que a maioria dos segurados não o cobre; o repasse dos recursos para a rede privada na compra de serviços por meio de algumas modalidades de gestão- terceirização, delegação e parcerias com organizações sociais (correia,2003)

O processo de universalização excludente e a tendência à mercantilização da saúde integram o panorama da política social econômica de orientação neoliberal adotada no Brasil, imposta pelos organismos financeiros internacionais.

A política econômica neoliberal tem imposto uma revisão na estrutura e na organização dos sistemas sanitários, propondo reformas sanitárias cujos objetivos fundamentais têm sido, segundo Almeida (1997:190):
• Descentralizar para o nível local ou para o setor privado e as organizações da sociedade, e privilegiar a atenção primária, numa perspectiva de diminuir o gasto hospitalar.
• Aumentar a eficiência, entendida sempre como manutenção dos limites de caixa, definidos pelas variáveis macroeconômicas.
• Reforçar a regulação; isto é, manter sobre estrito controle os orçamentos setoriais e a força de trabalho, com deslocamento e enfraquecimento das organizações associativas e sindicais; e assegurar a contenção dos custos dos serviços prestados.

As mudanças ocorridas no campo da saúde estão em consonância com as propostas de ajuste estrutural propugnadas pelos organismos financeiros internacionais, cujo eixo é a atuação do estado em conjunto com o setor privado. Tais propostas expressam a opção por um “Estado essencialmente regulador das relações contratuais ou das concessões aos agentes não-estatais de atividades de interesse de relevância pública [entes privados ou organizações sociais]”, o que aponta para um padrão flexível de ”destinação de recursos estatais no mix público-privado (Costa&Melo,1998:61).

Ressaltamos que, paralelamente a esse contexto, foram criadas pela Lei 8.142/90 duas instâncias colegiadas de participação na política de saúde, a Conferência e o conselho. O Conselho tem caráter permanente e deliberativo no que diz respeito à execução da política de saúde, inclusive sobre seus aspectos econômicos e financeiros. Os Conselhos já existem em mais de 99,6% dos municípios brasileiros, o que implica a existência de supostos novos sujeitos políticos na política de saúde, com a função de exercer o controle social para garantir que esta atenda aos reais interesses da maioria da população.

Elizabeth- Assitente Social e Técnica de Sáude da AGEP

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