quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Como se deu a Legalização do SUS

A legalização do SUS na Constituição de 1988 foi resultado de um longo período de luta que teve seu início na década de 70, ainda na ditadura militar.
Diante do agravamento da crise na área da saúde, na segunda metade da década de 70 inicia-se um processo de questionamento do Sistema de Saúde vigente por parte do centro brasileiro de estudos de saúde (Cebes), que passa a formular alternativas à política de saúde. Tal processo congregava profissionais e pessoas com práticas políticas e ideológicas que buscavam a transformação do setor saúde, se constituindo num Movimento de Reforma Sanitária, defensor de um modelo de assistência a saúde, público e de qualidade, foco de oposição ao modelo de saúde privatista implantado nos governos da ditadura.
Esse movimento apresentou em 1979, no primeiro Simpósio Nacional de Saúde promovido pela Câmara dos Deputados, o documento ‘A questão democrática na saúde’, que já continha a idéia de criação do SUS. O documento foi aprovado e passou a ser a plataforma do Movimento Sanitário, tendo a adesão de sindicalistas de várias categorias, parlamentares, movimentos comunitários e associativos.

O governo federal, diante do agravamento do quadro sanitário da população e da efervescência do movimento político que pressionava por mudanças, propõe ações de âmbito nacional. Inicialmente, o Programa de Interiorização das Ações de Saneamento (Piass), concebido como um esboço do Sistema Nacional de Saúde, lançando diretrizes para a operacionalização e a integração das várias instituições prestadoras de serviço de saúde. Em 1980, propõem o Programa de Serviços Básicos (PrevSaúde) que previa uma rede organizada e hierarquizada, priorizando o investimento na assistência primária. Em sua versão original, esse programa tinha como objetivo descentralizar o sistema, criando mecanismos interministeriais geridos por um grupo assessorado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Esse projeto não foi colocado na pratica devido as pressões contrárias da Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abmg), pois ia de encontro aos interesses lucrativos do setor privado e não teve respaldo suficiente para ser implementado. Em 1981 foi criado o Conselho Consultivo de Administração de Saúde Previdenciária (Conasp), órgão colegiado com representação dos diversos ministérios e sindicatos trabalhistas e patronais, criado para negociar a solução de uma greve prolongada entre os médicos do Inamps.

Em 1982, 0o Conasp elaborou um Plano de Reorganização de Assistência à Saúde no Âmbito da Previdência Social, operacionalizando no Programa de Ações Integralizadas de Saúde (Pais), posteriormente denominado Ações Integradas de Saúde (AIS) que durou até 1987.
Em 1986, foi realizada a VIII Conferência Nacional de Saúde, acontecimento importante para o fortalecimento da política proposta pelo SUS, que neste evento ganha legitimidade perante os quatro mil participantes, entre os quais os setores organizados da sociedade civil.
Em 1987 foi criado, por meio de decreto do Presidente José Sarney, o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (Suds), que antecedeu ao SUS e continha pressupostos posteriormente absorvidos por este, quais sejam: universalização, resolutividade, hierarquização, regionalização e participação.

Durante a Assembléia Nacional Constituinte, o Movimento de Reforma Sanitária fez lobbies para conseguir a adesão de parlamentares à proposta do SUS. Neste processo, houve uma competição entre as propostas dos setores progressistas e as dos setores conservadores, até a proposta do SUS ser contemplada, em parte, na Constituição de 88. Pode-se, portanto, afirmar que o SUS é uma conquista do Movimento Sanitário.

Ele foi regulamentado pela lei 8.080 de 19 de setembro de 1990, que dispõe “ sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o fortalecimento dos serviços correspondentes e dá outras providências”. Vale ressaltar, porem que esta lei sofreu 25 vetos do presidente em exercício no que diz respeito às transferências intergovernamentais de recursos financeiros e à participação da comunidade, e foi graças a pressões políticas que tais questões foram tratadas na lei 8.142, de 28 de dezembro do mesmo ano.

A partir do SUS, a saúde passa a ser direito de todos e dever do Estado, e no seu modelo de prestação de serviços os determinantes socioeconômicos são levados em conta. Esse modelo está regido pelas seguintes diretrizes: descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas sem prejuízo dos serviços assistenciais; e participação da comunidade (art. 198). Entre os princípios (Lei 8.080/90, art.7º) que dão uma nova dimensão de qualidade a esses serviços, destacam-se:

Universalidade: todas as pessoas, sem exceção, têm direito aos serviços públicos de saúde em todos os níveis de assistência, independentemente de cor, raça, religião, local de moradia, situação de emprego ou renda. Este principio vem sendo burlado, pois o que tem acontecido de fato é o processo de universalização excludente. A universalização aconteceu legalmente, mas na realidade, diante da precariedade da assistência à saúde da rede pública, que não consegue absorver a demanda nem manter um padrão de qualidade nos serviços prestados, parcelas da população foram empurradas para o mercado privado da saúde.

Integralidade: a assistência a saúde deve ser pautada pelo conjunto articulado de ações e serviços preventivos e curativos que considerem os usuários como seres sociais inseridos numa realidade social, econômica e política. As pessoas não podem ser tratadas como um amontoado de partes do corpo que têm disfunções próprias, sem relação com a realidade concreta em que vivem. Assim, essas ações devem estar voltadas para a promoção. (ações em outras áreas como habitação, meio ambiente, educação etc.), prevenção (saneamento básico, imunizações etc.), e recuperação da saúde (atendimento médico, reabilitações para doentes).

Direito à informação ás pessoas assistidas sobre sua saúde: os usuários devem ser informados sobre sua saúde/doença, as causas, os sintomas, como combatê-la, como preveni-la, como trata-la.

Divulgação e informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelo usuário.

Descentralização político-administrativa com direção única em cada esfera de governo: é viabilizada pela municipalização, transferindo-se recursos e poder de decisão às esferas locais.

Participação da comunidade: a participação na definição da política de saúde é um direito institucionalizado em duas instâncias colegiadas, a Conferência e o Conselho.
A gestão do SUS deve ser descentralizada, democrática e participativa. Ela deve estar voltada para atender aos interesses da população e garantir a prestação de serviços públicos de qualidade. Deve, também, ser transparente e permeável ao controle social de suas ações e dos seus recursos, pois os conselhos de saúde têm caráter deliberativo sobre o rumo da política de saúde nas três esferas de governo.

O financiamento do SUS se dá por meio de repasse fundo a fundo, baseado num valor per capta nacional e na produção de serviços de saúde, de recursos de convênios específicos e da contrapartida de estados e municípios. Esses repasses são regidos pelas Normas Operacionais Básicas do SUS – atualmente pela Norma Operacional de Assistência à saúde/2001-, de acordo com o sistema de gestão em que o estado ou o município esteja inserido. Esse financiamento também tem que ser transparente e estar submetido ao controle social.

Ana Cristina- Assitente Social e técnica em Saúde da AGEP

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